Em Dourados, mulher cria projeto que já acolheu mais de 3 mil homens em situação de rua
- Notícias de Dourados

- 19 de jun.
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Auto-reconhecimento, documentação e trabalho são pilares do projeto que mensalmente ajuda em média 250 homens

Em um país onde mais de 335 mil pessoas estão em situação de rua, segundo dados do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), uma casa simples no bairro Vila São Francisco, em Dourados, se tornou sinônimo de recomeço. Nela funciona o projeto social “Filhos do Rei”, idealizado e mantido por Liliane Clarinda da Silva, de 41 anos, que sozinha, há um ano e meio acolhe homens em situação de rua, oferecendo muito mais do que um teto.

Para Liliane, cada pessoa que chega deve ser reconhecida e valorizada. “Eles chegam sujos, sem chinelo, sem perspectiva, sem nada. Aqui recebem acolhimento, podem tomar banho, se alimentar e dormir. Temos um espelho ao lado da porta para cada um ver quem é, reconhecer a sua imagem e como é bom se cuidar”, relata. Essa simples ação de convidar ao auto-reconhecimento é um dos pilares do projeto, que já ajudou mais de 3 mil pessoas.
Atualmente, 11 homens são acolhidos na casa, e ficam em média três meses no local, um período considerado de estabilização. “Nesse tempo vamos atrás da documentação, pois é o primeiro passo para que a trajetória deles continue. Para fazer uma consulta, trabalhar, comprar uma passagem, ir para uma casa terapêutica ou para estudar eles precisam da documentação”, enfatiza Liliane. A regularização dos documentos é um passo fundamental para que esses homens possam acessar direitos básicos e planejar um futuro fora das ruas.
A rotina na casa é estruturada com regras, horários e tarefas. “Aqui eles cozinham, eles limpam, lavam, tem rotina, obrigações, regras”, diz Liliane. Apesar das dificuldades e da falta de recursos, como uma máquina de lavar roupa, um bebedouro ou mais espelhos, a força do projeto reside na dedicação e na empatia.

O trabalho também é um pilar essencial para a autonomia dos acolhidos. Liliane, juntamente com eles, realiza serviços de jardinagem e limpeza de terrenos. “O dinheiro que recebemos é para o projeto, nós temos aluguel, energia, internet, alimentação e transporte que precisam ser pagos. Eu falo que eles têm que comer do suor deles, que não vão pedir nada no semáforo, vão trabalhar e andar de cabeça erguida”, conta Liliane, ressaltando o valor do esforço e da dignidade do trabalho.
A dependência química é uma das problemáticas mais presentes entre os acolhidos, sendo um desafio constante a ser enfrentado. “A maconha, que é fácil e barata de comprar e o álcool, são os mais difíceis deles pararem de consumir. Aqui eles não podem usar essas substâncias e aqueles que não conseguem superar o vício são encaminhados para casas terapêuticas especializadas em outros estados”, explica Liliane.
De acordo com Liliane, a maioria dos acolhidos não são de Dourados. “Boa parte deles vem de outros municípios e Dourados não oferece passagem de volta, então eles ficam pela cidade. Outros que chegam ao projeto são egressos do sistema prisional, especialmente da Penitenciária Estadual de Dourados (PED), que sem apoio ou acesso a políticas públicas efetivas, acabam nas ruas, principalmente nas imediações da rodoviária ou em bairros periféricos”, explica.

O trabalho realizado pelo projeto “Filhos do Rei” evidencia não apenas a força da solidariedade, mas também o quanto ainda falta ser feito, como sociedade, para garantir dignidade e oportunidades a quem precisa recomeçar. “Eu acredito neles. Se eles quiserem ajuda eu vou ajudar. Muitos não escolheram estar na situação que estão, já vieram de uma família desestruturada, violenta, outros são de famílias com situação financeira boa, mas o vício ou o tráfico, consumiu o que eles tinham, e sozinhos vai ser muito difícil recomeçar. Eles enfrentam muito julgamento, e poucos querem realmente ajudar, tratam uma situação complexa como simples. Eles são pessoas, com deveres, com erros, mas também com direitos como todos nós", finaliza Liliane.
Por: Elisa Lorini DRT 2228/MS








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